Sala de Bilhar
Num dos topos da sala encontra-se uma imagem de José Maria Eugénio de Almeida, representado numa pintura realizada a partir do retrato da autoria do litógrafo alemão Ignaz Fertig (1809-1858), enquadrada por moldura de madeira com o monograma da família.
Para além do percurso de sucesso no âmbito das atividades económicas que empreendeu, José Maria Eugénio de Almeida distinguiu-se também por uma intervenção pública relevante. Foi eleito três vezes deputado, nomeado Conselheiro de Estado e convidado três vezes para Ministro da Fazenda - correspondente hoje a Ministro das Finanças -, ministério que, no entanto, nunca aceitou.
Em 1853 foi nomeado Par do Reino, designação dada aos membros da Câmara dos Digníssimos Pares do Reino, o segundo braço do poder legislativo ou câmara alta do parlamento. As fardas que podemos observar junto ao retrato eram as utilizadas por José Maria Eugénio de Almeida em cerimónias solenes enquanto Par do Reino, lugar que, após a sua morte, viria a ser ocupado pelo filho, Carlos Maria Eugénio de Almeida.
A sua intervenção pública ficou também marcada pela nomeação, em 1859, para Provedor da Casa Pia de Lisboa, lugar que ocupou até à data em que faleceu, em 1872. Como provedor da instituição, José Maria, além de reformas estruturais no edifício, aposta numa profunda reforma pedagógica. O seu objetivo é a implementação de um ensino técnico que, correspondendo às necessidades do mercado de trabalho, fosse também uma garantia de futuro para os alunos quando atingissem a idade adulta. Abdica também do vencimento que lhe era devido como Provedor, fazendo-o reverter a favor da Casa Pia sob a forma de bolsas de estudo para os alunos.
Esta divisão recebe a designação de Sala de Bilhar, uma vez ter sido este o espaço escolhido pelo casal Eugénio de Almeida para acolher as duas mesas de bilhar do século XIX, provenientes do Palácio de São Sebastião da Pedreira, uma das quais ostenta, em cada um dos topos, um entalhe com o monograma da família.
Os jogos de bilhar foram criados no século XV em França. Jogado por reis e outros membros da nobreza, o bilhar tornou-se conhecido, desde 1800, como o "Nobre Jogo do Bilhar". À semelhança de outros aspetos associados ao estilo de vida, muitos hábitos ou ocupações sociais desenvolveram-se no seio das casas reais ou da aristocracia, sendo mais tarde mimetizados pela burguesia, preocupada com o reconhecimento do seu estatuto, e depois ainda pelos outros estratos da sociedade.
A relevância da prática de jogos no século XIX em que a função socializante se sobrepõe ao carácter competitivo hoje dominante, é sublinhada pelas duas gravuras nas quais se representa uma partida de bilhar e uma de croquet, ambas disputadas por senhoras. As gravuras são da autoria do francês Charles-Édouard Boutibonne que se destacou como pintor de retratos, cenas históricas e de género, como as que podemos aqui observar.
Tal como sucedeu com outros desportos que mais tarde se popularizaram – como é o caso do futebol – o bilhar começou por ser um jogo reservado às classes mais abastadas, praticado em clubes ou em ambientes privados, com um carácter de ritual socializante cuja prática reforçava o sentimento de pertença à elite.
Para além das mesas de bilhar, encontramos ainda nesta sala dois armários-louceiros em estilo neorrococó onde se acondicionam um serviço de cristal Bacarat e um serviço de loiça da família Eugénio de Almeida.
Outro destaque merece também a coleção de fotografias de membros da família real portuguesa, nomeadamente, os reis D. Carlos e D. Manuel e a Rainha D. Amélia. A documentação do arquivo da família revela, através das expressões de afetividade da correspondência, uma grande proximidade entre a Rainha D. Amélia e Maria do Patrocínio Barros Lima, mulher de Carlos Maria Eugénio de Almeida. Esta amizade contribuiu de forma decisiva para a atribuição do título de Conde de Vill’Alva ao filho, José Maria Eugénio de Almeida, em 1904.
A forma do teto desta sala denuncia a existência anterior de uma cobertura com a configuração de um caixotão de madeira. A cobertura em madeira, em especial para edifícios com pé-direito de altura considerável, era um recurso arquitetónico comum, que visava reduzir o peso exercido sobre as paredes. Neste caso, tratava-se de um teto em madeira trabalhada com motivos geométricos ao gosto árabe e pintado. Devido ao mau estado de conservação provocado por infiltrações de água, o teto foi apeado em 1880 e substituído por amplas faixas de pano.
A remissão para trabalhos similares realizados noutros edifícios, aliada à dimensão desta sala, permite-nos apenas imaginar a imponência e o efeito visual que a decoração deste teto terá produzido à época em que, por exemplo, foi testemunha de alguns dos momentos mais marcantes da História de Portugal.
Recuperada a independência em 1640, o país mergulha num longo conflito militar com a Espanha conhecido como a Guerra da Restauração. Em 22 de maio de 1663, a cidade de Évora é ocupada pelo exército espanhol liderado por D. Juan de Áustria, filho ilegítimo do Rei de Espanha, Filipe IV. Nos dias imediatos à tomada da cidade, foi nesta sala que estabeleceu o posto de comando, indicador da nobreza e da importância do edifício na cidade, mas também da posição estratégica que ocupava enquanto ponto de vigia e observação. Rezam as “crónicas” da época que D. Juan de Áustria não deixava as janelas e varandas do palácio do Páteo de S. Miguel, “mirando com o seu oculo de longa vista” o teatro de guerra e o movimento de tropas portuguesas que se reorganizavam para reconquistar a cidade.
A defesa de Évora contra o ataque português foi organizada pelo milanês Conde de Sartirana. O cerco e ataque às posições espanholas na cidade foi liderado pelo Conde de Vila Flor, que estabeleceu o Quartel da Corte ou comando supremo na Quinta de Valbom, hoje também propriedade da Fundação Eugénio de Almeida e sede do Enoturismo Cartuxa, depois de ter sido muitos anos a adega e centro da produção vitivinícola.
Durante o ataque à cidade, o Conde de Vila Flor não consentiu que se trabucasse a praça, porque “este género de instrumentos se inventaram para ruína das cidades e assombro dos moradores, [e] a cidade era nossa para a não destruirmos”[1]. Graças aos serviços prestados no âmbito da Guerra da Restauração e, em especial, ao facto de ter preservado a cidade a um ataque que provocaria a sua destruição, o nome Conde de Vila Flor foi atribuído a uma das principais artérias no centro histórico da cidade, onde está implantado o Templo Romano.
Foi também nesta sala que o Rei D. João IV reuniu o Conselho de Guerra, juntamente com o seu filho D. Teodósio, e se delinearam algumas das estratégias a seguir no decurso da Guerra da Restauração, concluída com a vitória de Portugal em 1668, já sob o reinado de Afonso VI.