Vasco Maria Eugénio de Almeida

As pessoas, Évora e o Alentejo: as grandes causas da vida e obra de Vasco Maria Eugénio de Almeida

 

Engenheiro Agrónomo de formação, Vasco Maria Eugénio de Almeida, um dos maiores mecenas e filantropos do século XX em Portugal, nunca deixou de atender ao rigor dos números, àquilo que permitiam fazer e aos limites que ditavam não ser possível ultrapassar sem comprometer o futuro. Mas sempre considerou as pessoas como a variável de maior valor em função da qual se organizavam todos os números e todos os seus esforços, conforme deixou claro ao referir “Polis significa cidade, mas o que faz a cidade não são as pedras, as casas ou as ruas; são as pessoas, homens, mulheres e crianças. Em tudo o que faço, procuro, em primeiro lugar, o bem das pessoas, luto pela sua promoção.”

Vasco Maria Eugénio de Almeida nasceu em 1913, em Lisboa, no seio de uma das mais poderosas e influentes famílias do século XIX português. O seu bisavô, José Maria Eugénio de Almeida, construíra um verdadeiro “Império” económico no contexto da Regeneração.

À luz destas origens, os primeiros anos de Vasco Maria prometiam uma existência despreocupada, face às dificuldades que a maioria dos jovens da sua idade teve de enfrentar num contexto marcado pela instabilidade política da 1ª República e pela grave crise motivada pela participação de Portugal na 1.ª Guerra Mundial. A sua juventude seria, no entanto, confrontada com desafios determinantes para compreender as opções que seguiu mais tarde.

Ter nascido no seio de uma família burguesa abastada é apenas uma parte da história. Vasco Maria era, como então se dizia, filho natural do 1.º Conde de Vill’Alva, José Maria Eugénio de Almeida (1873-1937), fruto de uma relação, fora do matrimónio, com Antónia Gomes da qual já existia um irmão mais velho. Embora perfilhado, conviveu até à morte do pai com o estigma da proibição averbada no seu registo de nascimento de utilizar o apelido Eugénio de Almeida.

Contra todas as probabilidades iniciais e devido a uma série de circunstâncias, Vasco Maria tornou-se, aos 27 anos, no principal herdeiro da fortuna Eugénio de Almeida.

Não é difícil imaginar que tenha desenvolvido a formulação interior de que a sua condição de “homem rico” era em boa parte obra de um acaso que, se concretizado inversamente à realidade dos factos, o poderia ter relegado para a ampla margem de desfavorecidos numa sociedade em que as desigualdades eram significativamente mais acentuadas do que nos nossos dias.

Reconheceu sempre a importância dos seus antepassados e desenvolveu a autoconsciência da responsabilidade que representava o apelido Eugénio de Almeida. Honrar a história familiar conferindo um sentido ao legado material e imaterial dos seus antecessores foi uma das principais motivações da obra que realizou.

Natural de Lisboa, desde muito cedo estabeleceu laços profundos com Évora e o Alentejo, onde a família detinha um vasto património fundiário. Desta ligação resultou em Vasco Maria a formação da imagem do que era a realidade social, cultural e económica de uma cidade do interior do país como Évora, monumental pela sua história e património, mas também muito tradicional, hierarquizada e onde existiam poucas ou nenhumas oportunidades de alterar o destino traçado pela condição do berço.

Um dos grandes constrangimentos sociais no Alentejo eram as crises de emprego decorrentes da sazonalidade dos trabalhos agrícolas, deixando desamparada durante longos períodos do ano uma franja significativa da população. Para alterar este quadro, Vasco Maria investiu na diversificação da produção agrícola, revitalizando a atividade vitivinícola impulsionada pelo seu avô, Carlos Maria, e apostou na plantação de uma vasta área de olival nas propriedades junto à povoação de São Manços, próxima de Évora. O olival tornou-se, nas palavras dos próprios trabalhadores da região, na “fábrica” que nunca antes tiveram. Uma intervenção orientada pela utilidade intrínseca da ação, pela promoção do bem comum e pela valorização social do trabalho que tornava uma e outra possíveis.

Mas não era ainda suficiente. Sabia que a estrutura social do Alentejo não se modificaria tão facilmente à luz do que eram as suas permanências históricas. Mas se não era possível fazer tudo, era possível fazer alguma coisa. Em 1958 procedeu à partição da Herdade do Álamo da Horta, em 150 courelas, 235 hectares que distribuiu pelos trabalhadores da sua Casa Agrícola os quais, pela primeira vez, tiveram oportunidade de cultivar a sua própria terra. Esta ação representou uma verdadeira “reforma agrária privada” em pleno Estado Novo, cujo impacto social é possível aferir através do testemunho de Jacinto Godinho, descendente de um desses trabalhadores: “Nunca o conheci, mas o Eng. Vasco Eugénio de Almeida foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. Com os rendimentos da courela o meu pai montou um posto de vendas de mercadorias. Nessa altura conseguiu manter-me a estudar. Mais tarde licenciei-me em Comunicação Social e entrei como jornalista para os quadros da RTP. Sem retirar qualquer mérito aos meus pais, hoje tenho a certeza que sem Vasco Maria Eugénio de Almeida não teria sido possível realizar este sonho. Os seus sonhos também não foram sonhados em vão”.

Reveladora de que para Vasco Maria uma ação verdadeiramente transformadora passava por intervir de forma integrada noutros domínios imprescindíveis ao desenvolvimento de qualquer comunidade, foi a atenção conferida à educação orientada, num primeiro nível, pelo princípio de que a perda de uma criança é também a perda de possibilidades infinitas.

Numa sociedade marcada por elevadas taxas de analfabetismo, em que as dificuldades económicas das famílias favoreciam a existência em larga escala de trabalho infantil, Vasco Maria deu prioridade à formação de base que se confundia muitas vezes com a proteção a menores abandonados ou oriundos de famílias carenciadas.

No caso de Vasco Maria, estas preocupações refletiram-se, no apoio regular ao Oratório de São José – Obra Salesiana de Évora, acompanhando ativamente as intervenções que levaram à ampliação e melhoria das instalações escolares, à construção do refeitório e, mais tarde da Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. Em Lisboa integrou desde 1950 e até à sua morte, os corpos dirigentes do Asilo D. Pedro V, instituição vocacionada para o acolhimento de crianças abandonadas ou carenciadas do sexo feminino, contribuindo com apoio financeiro regular para o seu funcionamento, e cedeu os terrenos do Parque de Santa Gertrudes para a realização da Feira Popular entre 1943 e 1956 cujas receitas reverteram a favor da Colónia Balnear Infantil de “O Século”.

No domínio da educação outro dos seus projetos foi fazer regressar a Évora o ensino superior, mais de 200 anos após a extinção da Universidade pelo Marquês de Pombal. Com esse objetivo adquiriu o antigo Palácio da Inquisição, edifício que requalificou para aí instalar, em colaboração com a Companhia de Jesus, o Instituto Superior Económico e Social de Évora (ISESE) cujos cursos de Gestão de Empresas, Sociologia e Economia constituíam, por si só, todo um programa das áreas de conhecimento que considerava prioritárias para a criação de quadros técnicos superiores qualificados, necessários ao desenvolvimento da região. A criação do ISESE em 1964 viria a revelar-se, mais tarde - nesse futuro de que Vasco Maria parecia ter pressa - determinante para o restabelecimento da Universidade de Évora.

Uma das fotografias mais impressionantes que se pode consultar no Arquivo e Biblioteca Eugénio de Almeida mostra a Rua Cândido dos Reis, em Évora, coberta por um mar de gente, milhares e milhares de pessoas que se dirigiram ao Convento da Cartuxa - onde então residia Vasco Maria quando se encontrava na cidade - com a finalidade de agradecerem o avultado donativo que fizera em 1957 para a construção de um hospital destinado ao tratamento das doenças do foro oncológico. Independentemente do impacto ou do alcance estrutural de qualquer outra das suas obras, nenhuma terá suscitado maior carinho e reconhecimento do que esta. O Hospital do Patrocínio, nome por que ficaria conhecido e que constituiu uma homenagem à avó de Vasco Maria, Maria do Patrocínio Barros Lima, foi das expressões mais sentidas de empatia com as gentes de Évora.

A conservação e restauro de património edificado foi outro dos domínios da sua ação que se revestiu de um particular significado numa cidade com a história e a monumentalidade de Évora. Para além do Paço de São Miguel, Monumento Nacional, merecem também especial destaque as intervenções realizadas no Convento da Cartuxa, no Palácio da Inquisição e nas Casas Pintadas as quais implicaram na maioria dos casos não só resgatar da ruína edifícios de elevado valor histórico e artístico, mas também, a todos eles, conferir uma função, sempre perspetivada numa estratégia de regeneração urbana alargada para cidade. Estas intervenções evidenciaram a importância do património edificado como recurso estratégico para a cidade contribuindo dessa forma, entre muitos outros, e mesmo mais de uma década após o seu falecimento, para a Classificação de Évora pela UNESCO como Património Mundial, em 1986.

Tendo em conta o muito que representava para si a memória dos seus antepassados, a ausência de descendentes do casamento com Maria Teresa Burnay de Almeida Bello não pôde deixar de constituir um duro revês àquele que seria o legítimo desejo de perpetuar, por essa via, o nome Eugénio de Almeida. Mas isso, já não estava nas suas mãos. O que dependia de si era encontrar uma forma de, após o seu falecimento, poder continuar a conferir um sentido de utilidade e serviço públicos ao legado de princípios e valores e de bens patrimoniais, que recebera e de que entendia ser apenas mero depositário. Com esse objetivo criou em 1963 a Fundação Eugénio de Almeida “In memoriam” dos seus “pais e avós e em sua homenagem” com a missão de promover o desenvolvimento cultural, educativo, social e espiritual da região de Évora.

De caráter reservado, procurou sempre que a sua ação fosse desenvolvida no anonimato ou dentro da máxima discrição possível, muito embora a evidência material da obra que realizou normalmente não permitisse que assim fosse. A relevância da vasta obra que deixou foi por diversas vezes reconhecida, recebendo várias condecorações, como as de Grande Oficial e a Grã-Cruz da Ordem de Benemerência, a medalha de Ouro da Cidade de Évora, tendo também sido Chanceler das Ordens de Mérito Civil.

O Eng. Vasco Maria Eugénio de Almeida faleceu na sua Casa de Santa Gertrudes, em Lisboa, no dia 11 de agosto de 1975, a poucos dias de completar 62 anos.

 

Rui Carreteiro